por Ricardo Romanoff
Inaugurada no sábado (11/12), a exposição Terreal apresenta mais de 40 obras da artista visual Dione Veiga Vieira no segundo andar do MARGS. A mostra concentra-se em trabalhos produzidos a partir de meados do ano 2000, marco de transição da produção de Vieira da pintura para suportes como instalação, vídeo e fotografia.
“A exposição pode ser compreendida em seu conjunto como uma ampla instalação composta por diversos e distintos trabalhos, todos convocados à maneira como a expografia foi concebida, como se a artista se apropriasse das próprias obras para dar a ver uma outra obra”, apontam Francisco Dalcol, diretor-curador do MARGS, e Fernanda Medeiros, curadora-assistente do museu, no texto de apresentação.
O caráter instalativo do conjunto, observado pela dupla de curadores, é uma das primeiras impressões que se tem ao ingressar na galeria Iberê Camargo do MARGS, onde está a maior parte da exposição. O espaço cria um lugar de encontro entre obras que evocam o corpo habitando o ambiente doméstico, de um lado, e imerso na natureza, de outro.
No primeiro eixo, evidencia-se o interesse da artista pela ressignificação de objetos, como nos bancos de Antessala (2008-2013), modificados com a inclusão de utensílios de cozinha e outros itens. Em Fragmentos Primordiais (2004), uma prateleira passa a conter ganchos de açougue. Na obra Decantação III (2008), uma estante reúne 47 vasos azuis com bordas que remetem a flores. Ao lado, a série fotográfica Solutilis(2011) descontextualiza as formas desses vasos aludindo a imagens microscópicas de materiais orgânicos e fotos internas do corpo humano.
“Imaginei os vasos como corpos, cada um diferente do outro”, conta Vieira, que encontrou os utensílios em uma loja de bairro e teve a atenção despertada pelas variações – defeitos de fabricação? – de suas formas. A ida recorrente ao estabelecimento para comprar quase meia centena de vasos deixou o vendedor desconfiado. “Ele perguntou se eu estava revendendo”, diverte-se.
O dado corriqueiro da construção do trabalho é um exemplo de como o olhar de Vieira se transformou duas décadas atrás. “Quando larguei a pintura definitivamente, tudo virou ateliê para mim. Ao explorar mais a fotografia e os objetos, meu pensamento foi mudando. Comecei a trabalhar ideias relacionadas ao corpo e à natureza, sempre com a carga evocativa dos materiais. O mundo à minha volta se transformou no substrato da minha produção”, reflete a artista.
Em diálogo com os trabalhos que sugerem ambientes domésticos, no lado oposto da galeria fotografias de paisagens ganham protagonismo. “Essas imagens surgiram da ideia de fazer uma ação poética e solitária na natureza. Em uma delas, me imaginei retirando do mar um ovo, como uma palavra inusitada que aparece em uma poesia”, recorda Vieira.
Alguns dos trabalhos mesclam fotografias e vitrines repletas de objetos e pedras. “Quando me perguntam se eu tirei os objetos do mar, digo que é do mar da memória e da minha história, mas que pode ser da história de qualquer um”, explica a artista, destacando a abertura das obras a diferentes narrativas e fabulações, um dos elementos centrais de sua poética.
Outra questão cara à Vieira são os processos de transformação. “Nada perdura, tudo está sempre se modificando”, observa. Em trabalhos como Zona de Metamorfismo(2015), a artista insere textos nas fotografias, articulando termos da geologia e da psicanálise para abordar as mudanças pelas quais passam o humano e a paisagem em suas diferentes temporalidades.
Sala Oscar Boeira reúne obras que marcam inflexão na trajetória de Vieira
A exposição continua na sala Oscar Boeira com obras produzidas entre 1999 e 2001 – além de três mais antigas, do começo dos anos 1990 – que marcam a guinada de Vieira em direção à fotografia, ao vídeo e à instalação. “Rompi com a pintura, mas já estava fazendo telas recortadas como se fossem objetos e esculturas de parede. Foi o término de uma pesquisa com materiais e já havia uma proposta instalativa”, observa Vieira, aos 67 anos, refazendo o percurso que a levou de obras como Primal (2001) aos trabalhos expostos na galeria Iberê Camargo do MARGS.
Enquanto nas obras da galeria preponderam o azul do céu e do mar, além de tons escuros e metálicos, na sala Oscar Boeira as tonalidades terrosas ganham evidência, dialogando com o título da exposição, descrito da seguinte forma pelo texto assinado pelos curadores:
Terreal. Adjetivo que designa o que é relativo à terra, terrestre. E também o mundano, dos prazeres terreais, consequentemente do corpo. Dito de outro modo, aquilo se situa entre o terreno e o humano: o real objetivo, mas também a realidade enquanto invenção, efeito da maneira de ver e perceber, de compreender e se situar. Fabulação e ficção a partir do que está dado e colocado. Daí, a arte como construção de realidades.