TERREAL

Há nas obras de Dione Veiga Vieira uma mesma força que as perpassa, e que confere uma unidade não tão aparente ao corpo de sua heterogênea produção. Força que provém de uma intencionalidade com implicações diversificadas e complexas em seus trabalhos, mas que ainda assim lhes é fundante e comum.

 Essa força vem de uma tremenda vontade de apreensão do mundo e das coisas, como busca motivada por compreender e vislumbrar as feições que o mundano e material assumem; seja a partir do olhar dirigido à observação atenta dos próprios estados naturais e processos de transformação, seja pela visualidade decorrente do ato de intervir na ordem da normalidade.

Isso se dá não exatamente pela captura objetiva do conhecimento, mas pela disposição ao advento da descoberta, movida pelo exercício de percepção das coisas e pela operação de recolocá-las de outro modo, segundo atos de ressignificação e reinvenção, ambos acionados por um modo de pensamento e ação que são próprios à arte. 

 Uma força, portanto, que se inscreve e movimenta no domínio da dimensão poética.

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TERREAL. 

Adjetivo que designa o que é relativo à terra, terrestre. E também o mundano, dos prazeres terreais, consequentemente do corpo. Dito de outro modo, aquilo se situa entre o terreno e o humano: o real objetivo, mas também a realidade enquanto invenção, efeito da maneira de ver e perceber, de compreender e se situar. Fabulação e ficção a partir do que está dado e colocado. Daí, a arte como construção de realidades.

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“Dione Veiga Vieira — TERREAL”, primeira individual da artista no MARGS, aborda os últimos 20 anos das quatro décadas de produção de um dos mais destacados e atuantes nomes da chamada “Geração 80” das artes visuais no Rio Grande do Sul.

A exposição abrange o período que se inicia na virada dos anos 2000, assinalando o momento de rompimento com a pintura, disciplina à qual concentrou sua produção nos 20 anos anteriores em torno de questões matéricas relacionadas ao campo pictórico. 

Essa transição levou a artista nos anos seguintes a encaminhar sua obra pela via da experimentação com objetos tridimensionais e propostas instalativas e de investigação da imagem, mediante utilização de materiais naturais e industriais; valendo-se do caráter narrativo e poético da literatura, sobretudo a seu modo de explorar o conhecimento científico pela via da abordagem poética.

Nesse movimento, incorporou meios e linguagens diversos, como escultura, instalação, fotografia, vídeo, texto, fotoperformance e mesmo apropriação de objetos e elementos, dando densidade a uma produção pautada pelo que denomina por “poética do corpo e da natureza”.

Embora cada obra seja una e acabada em si, incide sobre essa individuação um pensamento de montagem na formalização espacial, que conduz a apreensão do todo pelas suas partes e fragmentos. A artista joga com procedimentos da tradição conceitualista da arte, mas é ao convocar o pensamento instalativo que conforma cada trabalho ao modo de exibição que lhe é próprio e particular.

Esse expediente fundamenta o pensamento que estrutura a disposição das obras em sua totalidade ao longo da galeria Iberê Camargo e da sala Oscar Boeira. No que a exposição pode ser compreendida em seu conjunto como uma ampla instalação composta por diversos e distintos trabalhos, todos convocados à maneira como a expografia foi concebida, como se a artista se apropriasse das próprias obras para dar a ver uma outra obra. No limite, é uma exposição que se faz e constitui enquanto uma obra em si. 

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Em sua proposta, esta mostra procura explicitar e assinalar o amplo campo de cruzamentos, atravessamentos e contaminações em que se amalgamam o pensamento poético e as práticas artísticas no decorrer da produção e trajetória de Dione Veiga Vieira.

Para tal, apresenta uma reunião representativa de obras da artista, trazendo a público um conjunto histórico que agora ingressa no Acervo do MARGS, e que vem a enriquecer e qualificar sua presença na coleção.

Além de obras do acervo do Museu, entre recentemente adquiridas e já integrantes da coleção, a exposição conta ainda com trabalhos pertencentes ao Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul — MACRS, Fundação Vera Chaves Barcellos — FVCB, Pinacoteca Aldo Locatelli da Prefeitura de Porto Alegre e coleções particulares.

Como primeira individual de Dione Veiga Vieira apresentada pelo MARGS, a exposição se insere no programa “Histórias ausentes”, voltado a projetos de resgate, memória e revisão histórica, com o objetivo de conferir visibilidade e legibilidade a manifestações e narrativas artísticas, destacando trajetórias e atuações. Assim, a presente mostra dá prosseguimento ao ciclo expositivo, em sequência às mostras “Otacílio Camilo — Estética da rebeldia” (2019) e “Yeddo Titze — Meu jardim imaginário” (2021). 

Ao mesmo tempo, “Dione Veiga Vieira — TERREAL” estabelece um diálogo com exposições do programa artístico-curatorial da atual gestão que destacaram a produção e trajetória de pares de geração, notadamente as individuais “Frantz — Também e ainda pintura” (2019) e “Lia Menna Barreto: A boneca sou eu — Trabalhos 1985-2021” (2021); além das que promoveram resgates de momentos-chave inscritos em circunstância histórica relacionada, a exemplo da mostra documental “Espaço N.O. 40 anos — Arquivos de uma experiência coletiva” (2019).

 

Francisco Dalcol, diretor-curador do MARGS

Fernanda Medeiros, curadora-assistente do MARGS


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Dione Veiga Vieira  (Porto Alegre, 1954)

Inicia sua trajetória nos anos 1980, investigando questões pictóricas e matéricas relacionadas ao campo da pintura. 

Posteriormente, amplia sua pesquisa para a experimentação com outros materiais, formas, suportes e linguagens, incorporando também um pensamento em relação ao corpo e à natureza.

 Assim, sua produção desenvolvida nas últimas quatro décadas aciona meios diversos, como pintura, desenho, escultura, fotografia, fotoperformance, instalação, vídeo, videoinstalação e texto.

Graduada em Letras (1984) e com especialização em Artes Plásticas: Suportes Científicos e Práxis (1986) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). 

No período entre 1989 e 1992, residiu na Alemanha, onde manteve ateliê no StadtKunst E.V. Köln (Kunstverein in Köln Ehrenfeld), espaço cultural da prefeitura da cidade de Colônia.

Participou e apresentou exposições em cidades da Alemanha, Colômbia e Reino Unido, além do Brasil. 

Foi indicada ao prêmio Açorianos de Artes Plásticas de Porto Alegre nas edições de 2009, 2010, 2012 e 2015.

Possui obras em acervos públicos como Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MAC-RS), Fundação Vera Chaves Barcellos (FVCB) e Pinacoteca Aldo Locatelli (PAL) da Prefeitura de Porto Alegre.