Dione, a tradutora da alma

*Jones dos Santos





A arte contemporânea para alguns ou muitos desavisados pode até arranhar o bom senso (comum e incomum), além de nossos embasamentos estéticos e nossos sentidos. Digamos que a arte pulsa, estimula, e exige outros sentires. Em especial sentires desacostumados. Há também manifestações artísticas que não só arranham como esvaziam o sentir, por não acrescentarem ou mobilizarem sensações. O não-provocar nada também pode ser intencional na arte.

Mas a arte de Dione Veiga Vieira é um convite permanente a muitos sentires. Uma obra que não exige esforço para compreender, basta deixar-se e sentir. Entregar-se a todas possibilidades de sentir e ser conduzido a um universo que é comum a todos: Sentimentos genuínos. Dione faz arte com coisas de coisas. Ela rapta objetos de cenas para compor e recompor outras cenas e outros objetos antes talvez jamais imaginados. Estas cenas e objetos passam a ter um poder extraordinário de tornar inteligível o que antes poderia ser ininteligível ou até imperceptível pela simplicidade ou da insignificância do objeto. São objetos que compõem histórias traduzidas pela sensibilidade ímpar desta artista. Há objetos que deixam de ser objetos, para ser auras, energia pura de vivências humanas. Há cenas congeladas em suas obras, mas que não tem a frieza do gelo, mas tem a mansidão e aconchego do afeto. Basta que para isto estejamos abertos e vivos.

Dione atualmente usa objetos e fotografias em instalações para traduzir a alma. As almas são como são. Algumas têm asas; outras, desasadas. Mas todas estas almas por instante deixam de ser etéreas e têm forma concreta, assim como a existência humana. Tudo o que Dione produz está impregnado desse conteúdo humano e sensível. Em seus desenhos, pinturas e escrita, sua inquietude se percebe nas linhas, nas cores e na poética das palavras. Uma inquietude que denuncia que a vida só é vida quando há inquietudes. Sua sensibilidade é tão grandiosa que ela consegue intervir e alterar a leituras de objetos e coisas. As coisas deixam de ser coisas e passam ser sensações; sensações que denunciam que estamos vivos. Sua obra é atemporal e universal. Fala todas as línguas. Onde sua obra estiver essa se manifestará em seus amplos sentidos.

Há artistas que invadem nossa existência com ou sem a permissão. Alguns permanecem com a gente, nos tornando hospedeiros inquietos. A obra de Dione é assim; ao vê-la e senti-la, deixamos de ser os mesmos, pois inevitavelmente tem nossa história em um algum pigmento, rabiscos ou objeto. Se não tiver nada nosso nas obras de Dione, ouso dizer que algo não esta tão vivo dentro de nós.


* Psicólogo. Texto publicado em seu próprio blog, em 2007.