“Terreal”: Dione Veiga Vieira fabula relações entre corpo, objetos e natureza no MARGS

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Inaugurada no sábado (11/12), a exposição Terreal apresenta mais de 40 obras da artista visual Dione Veiga Vieira no segundo andar do MARGS. A mostra concentra-se em trabalhos produzidos a partir de meados do ano 2000, marco de transição da produção de Vieira da pintura para suportes como instalação, vídeo e fotografia.

Foto: Dione Veiga Vieira

“A exposição pode ser compreendida em seu conjunto como uma ampla instalação composta por diversos e distintos trabalhos, todos convocados à maneira como a expografia foi concebida, como se a artista se apropriasse das próprias obras para dar a ver uma outra obra”, apontam Francisco Dalcol, diretor-curador do MARGS, e Fernanda Medeiros, curadora-assistente do museu, no texto de apresentação.

O caráter instalativo do conjunto, observado pela dupla de curadores, é uma das primeiras impressões que se tem ao ingressar na galeria Iberê Camargo do MARGS, onde está a maior parte da exposição. O espaço cria um lugar de encontro entre obras que evocam o corpo habitando o ambiente doméstico, de um lado, e imerso na natureza, de outro.

No primeiro eixo, evidencia-se o interesse da artista pela ressignificação de objetos, como nos bancos de Antessala (2008-2013), modificados com a inclusão de utensílios de cozinha e outros itens. Em Fragmentos Primordiais (2004), uma prateleira passa a conter ganchos de açougue. Na obra Decantação III (2008), uma estante reúne 47 vasos azuis com bordas que remetem a flores. Ao lado, a série fotográfica Solutilis(2011) descontextualiza as formas desses vasos aludindo a imagens microscópicas de materiais orgânicos e fotos internas do corpo humano.

“Imaginei os vasos como corpos, cada um diferente do outro”, conta Vieira, que encontrou os utensílios em uma loja de bairro e teve a atenção despertada pelas variações – defeitos de fabricação? – de suas formas. A ida recorrente ao estabelecimento para comprar quase meia centena de vasos deixou o vendedor desconfiado. “Ele perguntou se eu estava revendendo”, diverte-se.

O dado corriqueiro da construção do trabalho é um exemplo de como o olhar de Vieira se transformou duas décadas atrás. “Quando larguei a pintura definitivamente, tudo virou ateliê para mim. Ao explorar mais a fotografia e os objetos, meu pensamento foi mudando. Comecei a trabalhar ideias relacionadas ao corpo e à natureza, sempre com a carga evocativa dos materiais. O mundo à minha volta se transformou no substrato da minha produção”, reflete a artista.

Foto: Dione Veiga Vieira

Em diálogo com os trabalhos que sugerem ambientes domésticos, no lado oposto da galeria fotografias de paisagens ganham protagonismo. “Essas imagens surgiram da ideia de fazer uma ação poética e solitária na natureza. Em uma delas, me imaginei retirando do mar um ovo, como uma palavra inusitada que aparece em uma poesia”, recorda Vieira.

Foto: Dione Veiga Vieira

Alguns dos trabalhos mesclam fotografias e vitrines repletas de objetos e pedras. “Quando me perguntam se eu tirei os objetos do mar, digo que é do mar da memória e da minha história, mas que pode ser da história de qualquer um”, explica a artista, destacando a abertura das obras a diferentes narrativas e fabulações, um dos elementos centrais de sua poética.

Outra questão cara à Vieira são os processos de transformação. “Nada perdura, tudo está sempre se modificando”, observa. Em trabalhos como Zona de Metamorfismo(2015), a artista insere textos nas fotografias, articulando termos da geologia e da psicanálise para abordar as mudanças pelas quais passam o humano e a paisagem em suas diferentes temporalidades.

Sala Oscar Boeira reúne obras que marcam inflexão na trajetória de Vieira

Foto: Ricardo Romanoff

A exposição continua na sala Oscar Boeira com obras produzidas entre 1999 e 2001 – além de três mais antigas, do começo dos anos 1990 – que marcam a guinada de Vieira em direção à fotografia, ao vídeo e à instalação. “Rompi com a pintura, mas já estava fazendo telas recortadas como se fossem objetos e esculturas de parede. Foi o término de uma pesquisa com materiais e já havia uma proposta instalativa”, observa Vieira, aos 67 anos, refazendo o percurso que a levou de obras como Primal (2001) aos trabalhos expostos na galeria Iberê Camargo do MARGS.

Enquanto nas obras da galeria preponderam o azul do céu e do mar, além de tons escuros e metálicos, na sala Oscar Boeira as tonalidades terrosas ganham evidência, dialogando com o título da exposição, descrito da seguinte forma pelo texto assinado pelos curadores:

Terreal. Adjetivo que designa o que é relativo à terra, terrestre. E também o mundano, dos prazeres terreais, consequentemente do corpo. Dito de outro modo, aquilo se situa entre o terreno e o humano: o real objetivo, mas também a realidade enquanto invenção, efeito da maneira de ver e perceber, de compreender e se situar. Fabulação e ficção a partir do que está dado e colocado. Daí, a arte como construção de realidades.

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